Timóteo... Um Enfermo?

TIMÓTEO... UM ENFERMO?

“Não bebas mais água só, mas usa de um pouco de vinho,
por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades”.
(1Tm 5:23, na ACF).


INTRODUÇÃO
Num contexto cultural essencialmente voltado para a confissão positiva, o texto de 1Tm 5:23 se reveste de uma importância capital. Será que o grande cooperador de Paulo padecia mesmo de alguma enfermidade estomacal? Mas, como será isto possível, se é suficiente apenas “declarar e crer”? Como podemos aceitar este fato se o servo genuíno de Deus não está sujeito a enfermidades como pretendem alguns?


ANALISANDO O TEXTO
Alguns termos usados por Paulo em 1Tm 5:23 necessitam de uma observação mais acurada.
Vamos começar tentando entender a recomendação “não bebas mais água só”. Na ARA, esta oração foi vertida como “não continues a beber somente água”. Ora, podemos perceber claramente uma preocupação por parte de Paulo em relação à seu cooperador amado. O termo grego usado por Paulo aqui é mekéti, um advérbio de negação formado pela partícula de negação qualificada me, não, e eti, um advérbio de tempo que com a partícula negativa assume a função de “não mais”. Com isto, podemos concluir que a melhor tradução para mekéti é mesmo “não mais”. Em seguida, temos hudropótei do verbo hudropotéo “beber água”; ou seja “bebas água”. Em prosseguimento, Paulo orienta a Timóteo que “use um pouco de vinho” (no original, allà oíno olígo chrô, literalmente, “mas (de) vinho (um) pouco usa”).
Na declaração seguinte, Paulo faz soar o aspecto prático de sua recomendação: dia tòn stómachon, literalmente, “por causa de teu estômago”! Veja bem, Paulo está exortando a Timóteo que não tome apenas água, mas use um pouco de vinho “por causa de seu estômago”.
Este conselho repentino de Paulo tem sido alvo de disputas e tem mesmo deixados perplexos muitos estudiosos. Isto se explica pelo fato de que esta questão não é supérflua, como alguns tentam sugerir.
Conforme se pode depreender de uma leitura do contexto, Paulo interrompeu uma lista de qualificações que se requer de um pastor e de forma abrupta entra nesta questão extremamente pessoal de Timóteo.
Jamais podemos olvidar o pano de fundo histórico no qual esta questão está inserida. Os gnósticos, com suas práticas ascetas e exigências as mais absurdas, tinham conseguido influenciar até alguns dos líderes da Igreja Primitiva e isto principalmente no que tange à dieta alimentar. É muito curioso se observar que uma vez que os gnósticos afirmavam que a carne era a essência mesmo do mal, como conseqüência ensinavam que qualquer cuidado quanto à saúde do corpo seria inconciliável com a vida “no espírito”. Então, Paulo é movido pelo Espírito Santo para deixar claro que a pureza não requer o ascetismo, conforme as regras dietéticas que os gnósticos inutilmente imaginavam.
Ora, estudando-se a etiologia da época, compreendemos que o vinho era reputado como medicinalmente útil na ajuda à cura de várias enfermidades. E quem sofria especificamente de dificuldades de digestão poderia ser ajudado pelo uso moderado e dosado do vinho, pois reconhecidamente possuía propriedades terapêuticas, muitas vezes utilizado em associação com plantas medicinais.
Em verdade, conforme têm conjeturado alguns especialistas, a palavra de Paulo a Timóteo tinha como objetivo destruir a falsa concepção gnóstica das assim chamadas “curas espirituais” em detrimento do que consideravam “curas físicas” ou “curas naturais”. No entanto, apesar de salientar várias vezes em suas cartas a possibilidade e a realidade de curas espirituais (e.g. 1Co 12:9), Paulo enfatiza a coexistência de curas naturais. É interessante notar que aquilo que reconhecemos como “remédio”, na verdade não provê a cura, mas gera ou acelera um processo natural no organismo a fim de que a cura se processe. Isso pode ser demonstrado pela etimologia da palavra portuguesa “remédio”, que vem do latim remedìum, “aquilo que se coloca no meio”, “aquilo que se coloca entre”.
Na conclusão da recomendação pessoal a Timóteo, Paulo faz uma declaração que no nosso ver se torna ainda mais séria quando afirma que ele deveria tomar um pouco de vinho por causa de seu estômago e também por causa de kaì tas puknás su astheneías, traduzido na ARC como “e das tuas freqüentes enfermidades” (literalmente, “e as freqüentes tuas enfermidades”).
Precisamos nos deter um pouco mais neste ponto. A recomendação de Paulo não se limita à sua preocupação quanto a problemas estomacais de Paulo, mas se amplia até as “suas freqüentes enfermidades”. Temos aqui dois termos que merecem nossa atenção: puknás, que bem poderia ser traduzido como “recorrentes”, “freqüentes”, ou ainda, “densas” e astheneías, termo que admite várias traduções, tais como “falta de força”, “fraqueza natural”, “saúde debilitada”, além claro de “enfermidades”.
Portanto, Timóteo era um homem extremamente enfermo, com a saúde grandemente debilitada, conforme o texto bíblico nos informa, embora não nos seja possível dizer que enfermidade era esta. Sabemos, entretanto, que ele padecia de problemas no estômago, conforme o próprio versículo em questão nos informa.


CONHECENDO A PESSOA DE TIMÓTEO
O nome Timóteo vem do grego Thimothéos, de time, “honra”, “honrado” e Théos, Deus. Ou seja, “honrado por Deus”. Seu nome ocorre 24 vezes nas páginas do NT, desde At 16:1 até Hb 13:23.
Para compreendermos melhor a pessoa de Timóteo é mister que analisemos os informes bíblicos a seu respeito.
A primeira menção a Timóteo nas páginas das Escrituras Sagradas é encontrada em At 16:1: “E chegou a Derbe e Listra. E eis que estava ali um certo discípulo por nome Timóteo, filho de uma judia que era crente, mas de pai grego”. Ao que tudo indica, Timóteo era um dos convertidos de Paulo, conquistados durante a sua primeira viagem missionária na região de Listra e Derbe. Conjetura-se que nessa ocasião tivesse aproximadamente uns treze anos de idade. Paulo esteve afastado daquela região cerca de seis anos e assim podemos concluir que Timóteo na ocasião descrita em At 16:1 contava com dezoito a vinte anos de idade. Em 1Tm 4:12, que deve representar um período de cerca de doze anos depois de At 16:1, a juventude de Timóteo ainda é referida.
Timóteo era filho de uma mulher judia e de pai gentio. Vinha sendo instruído nas Santas Escrituras desde a sua meninice (2Tm 1:5). Evidentemente, jamais fora um autêntico prosélito do judaísmo, vez que Paulo o circuncidou, conforme At 16:3. Podemos deduzir que era nativo de Listra e não de Derbe, pela leitura de At 16:1, onde seu nome aparece mais próximo ao nome de Listra.
Timóteo se tornou notório por seu exemplo como jovem crente (At 16:2). Desde o princípio de sua vida adulta que Timóteo deve ter demonstrado considerável habilidade como pregador, e era possuidor do dom profético (cf. 1Tm 4:14; 2Tm 1:6).
A primeira incumbência de Timóteo foi a responsabilidade de encorajar os crentes perseguidos em Tessalônica. É por esta razão que também o vemos associado a Paulo e Silas nas saudações de ambas as Epístolas dirigidas aos crentes dali. Em seguida, podemos vê-lo presente no trabalho de Paulo em Corinto (2Co 1:9). Ainda podemos vê-lo no ministério de Paulo em Éfeso, quando foi enviado com Erasto em outra missão especial à Macedônia, de onde posteriormente foi acolhido (1Co 4:17).
Aparentemente, Timóteo era de disposição tímida, porquanto Paulo achou necessário exortar aos crentes de Corinto a deixá-lo à vontade, não desprezando a sua pessoa (1Co 4:17ss; 1Co 16:10). Também não se há de duvidar que Timóteo foi enviado a Corinto na qualidade de embaixador de Paulo, na tentativa de corrigir algumas das dificuldades que a Igreja dali enfrentava, mas a segunda epístola aos coríntios revela-nos que ele não foi bem sucedido nesta missão. Por esta razão é que Tito foi enviado, para realizar função similar (2Co 12:18). Isto pode indicar que ou Tito tomou lugar de Timóteo como representante de Paulo, ou então, chegou a fim de ajudar a Timóteo nesta obra em Corinto. Quando Paulo escreveu a epístola aos romanos, de Corinto, Timóteo continuava ali, ajudando o apóstolo em seu trabalho (Rm 16:21).
Nenhum outro líder cristão, dentre os companheiros de trabalho de Paulo foi tão recomendado por ele como Timóteo, especialmente em face de sua lealdade (1Co 16:10; Fp 2:19ss; 1Tm 3:10ss) e sem dúvida a última das epístolas escritas por Paulo lhe foi dirigida, isto é, a segunda epístola a Timóteo.
Timóteo é mencionado em todas as Epístolas de Paulo, exceto em Gálatas. Foi ele um dos mais constantes e fiéis companheiros de Paulo, até o fim. Juntamente com Silas, Timóteo acompanhou o apóstolo dos gentios em sua segunda viagem missionária, dessa maneira, tendo ficado associado à fundação da Igreja em Tessalônica. Com freqüência é ele chamado de “irmão” (2Co 1:1; Cl 1:1; 1Ts 3:2; Fm 1). Em Fp 1:1, é chamado de “servo (escravo) de Cristo”, o que indica a sua elevada dedicação. Paulo encarregou-o de diversas lições especiais.


DEUS USANDO O FRACO
Uma das verdades mais lindas e esquecidas das Escrituras é aquela declarada em 1Co 1:27-18: “Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes. E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são para aniquilar as que são”.
O próprio Paulo, escrevendo aos efésios (Ef 6:16) faz menção muito clara aos dardos inflamados que são projetados por Satanás contra os servos do Senhor. Essa linguagem metafórica diz respeito à essas tentações de Satanás projetadas contra os servos do Senhor, os quais, como são apropriadamente chamados, são verdadeiros "dardos" ígneos que os arqueiros de Satanás, seus principados e poderes, atiram grosso e rápido contra os santos. Dardos que podem gerar aborrecimentos, tentações iminentes, enfermidades, intranqüilidades, lutas as mais variadas. Enfim, um tipo qualquer de "espinho na carne", algo muito pungente, que provoque muita dor e intranqüilidade.
Um outro aspecto a observar é que ao escolher Timóteo como cooperador Paulo estava colocando em prática ensinos claros de sua própria pessoa, tais como 1Co 1:27-28 e 2Co 12:8-10. Portanto, ao escolher Timóteo, Paulo estava demonstrando na prática que “... o Senhor não vê como vê o homem. Pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração” (cf. 1Sm 16:7).